terça-feira, 30 de junho de 2015

Governança Corporativa nas sociedades controladas pela União

Após a publicação de nossa postagem tratando do anteprojeto de lei apresentado conjuntamente pelos Presidentes da Câmara e do Senado, tivemos a apresentação de um outro projeto de autoria do senador Aécio Neves e a instalação da CMLRE - Comissão mista destinada a apresentar Projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais, que já fez uma audiência no dia 24/06/15, quando o TCU fez sua apresentação, e realizará neste dia 01/07 sua segunda audiência, desta feita com a presença de presidentes de grandes empresas (BB, Petrobras e VALEC convidados), da CNI e da Gerdau.

A discussão do tema está, portanto, colocada em marcha, o que nos motiva a acrescentar agora mais algumas observações relacionadas.

Lei das S.A.
Primeiramente, é importante considerar que a Lei nº 6404/76 já traz em seu bojo um conjunto de disposições que se aplicam perfeitamente às empresas públicas ou de economia mista. Uma legislação complementar, portanto, poderia trazer apenas disposições adicionais ou eventuais ajustes nas disposições originais da Lei nº 6.404/76 que não se adequassem perfeitamente às empresas públicas ou de economia mista. Nesse sentido, o projeto apresentado conjuntamente pelos Presidentes do Senado e da Câmara poderia ser simplificado, removendo-se, por exemplo, as menções exaustivas das competências dos órgãos estatutários (Conselho de Administração, Diretoria e Conselho Fiscal); bastaria que se mencionasse na nova lei as disposições adicionais ou os ajustes de disposições necessários.

Proteção aos minoritários
Uma disposição importante trazida com redação aproximada nos dois projetos refere-se à proteção dos minoritários. Prefiro a redação dada no projeto dos presidentes da Câmara e do Senado, adicionando-lhe a palavra "apenas", o que resultaria em algo como: "Os administradores de sociedade de economia mista de capital aberto não podem fundamentar no interesse público que motivou sua criação decisões que causem prejuízos de modo exclusivo ou preponderante aos acionistas minoritários, preservando apenas os interesses do acionista controlador."

Comitês
Os dois projetos trazem propostas distintas. O projeto dos presidentes da Câmara e do Senado fala dos comitês de Auditoria, de Riscos e de Remuneração, sendo que esses dois últimos assessorariam a Diretoria. O projeto do senador Aécio Neves fala dos comitês de Remuneração e Recursos Humanos, Financeiro e de Investimentos, de Auditoria e de Ética e Conduta. Aqui, o projeto do senador Aécio Neves me pareceu mais completo, embora talvez seja ainda necessária uma reflexão sobre o que é realmente indispensável prever na Lei e o respectivo escopo. Algumas funções são desenvolvidas normalmente por instâncias inferiores nas organizações e elevá-las para o nível de comitês pode representar retrabalhos e maiores custos. Se, porém, se entender que cabe realmente essa ênfase, a criação dos comitês pode ajudar nisso. Não resta, porém, dúvida que há temas muito relevantes e que merecem atenção superior nessas organizações, com ou sem comitês específicos, como auditoria, remuneração, riscos, investimentos e ética.

Requisitos
O estabelecimento de requisitos como formação superior e experiência, para ocupação dos cargos de conselheiros e diretores, está presente nos dois projetos, sendo que o projeto do senador Aécio Neves prevê, em geral, requisitos mais rocustos. Senti falta em ambos os projetos de alguma disposição que assegurasse, no caso da diretoria, a presença de maioria de integrantes oriundos do quadro próprio da respectiva organização, o que contribuiria, em minha opinião, para maior efetividade e profissionalismo da atuação desse órgão. Também constatei que nenhum dos dois projetos levou em conta a existência da Lei nº 12.353/10, que prevê a presença de um representante eleito pelos trabalhadores no conselho de administração. Importante a vedação ao acesso dos cargos de direção a agentes políticos, pois isso pode contribuir para a profissionalização da gestão.

Diretorias e Auditoria
O projeto do senador Aécio Neves traz a previsão de existência de Diretorias para os temas Auditoria e Supervisão. Não havia imaginado a Auditoria posicionada como Diretoria, ainda que entenda a importância das atividades desenvolvidas por aquele órgão. Precisaria entender melhor as razões que motivaram este posicionamento para me convencer dessa fórmula. Com relação a Supervisão e Controle, creio que a proposta se assemelha às propostas de criação de uma área de Controle Interno ou de Compliance, que parece ter se tornado uma tendência após as ocorrências com a Petrobras.
Como já foi mencionado na postagem anterior aqui no blog, o projeto dos presidentes da Câmara e do Senado traz uma disposição que merece ser corrigida com relação à vinculação da Auditoria, que deve estar ligada ao Conselho de Administração e não ao Presidente.

Mecanismos de controle - códigos e políticas
O projeto do senador Aécio Neves traz a definição de mecanismos de controle que deveriam ser explicitados pelas empresas: Política de Remuneração e Contratação, Política Financeira e de Investimentos, Política de Cumprimento de Normas, Código de Ética e Conduta e Plano de negócios. É uma medida interessante para assegurar maior transparência e clareza.

Responsabilidade dos administradores
Apenas o projeto do senador Aécio Neves traz disposições mais específicas sobre a responsabilidade dos administradores. Nesse tópico, acredito que valha a pena investir mais, trazendo para a Lei aspectos de responsabilidade adicional de gestores públicos.

Disposições adicionais
O projeto dos presidentes da Câmara e do Senado traz algumas disposições adicionais, que me pareceram fora da temática principal, como "obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias" e "processo de licitação e contratação de obras, serviços e alienações". Penso que sua inclusão nesta lei deveria ser evitada, assim como deveriam ser evitados quaisquer "penduricalhos" que venham a ser propostos no processo legislativo, entendendo-se como penduricalho qualquer disposição que esteja afastado do tema da Lei.

Espero que, no processo legislativo, o Congresso consiga agregar ao projeto aperfeiçoamentos como os tratados nesta postagem e produza uma lei capaz de assegurar efetivamente a melhoria da governança corporativa nas sociedades controladas pela União.

Marcos César Alves Silva
Analista de Correios Sênior - Administrador Postal
Membro eleito pelos trabalhadores para o
Conselho de Administração dos Correios

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