sexta-feira, 21 de abril de 2017

Das causas da crise à solução

A pressão decorrente dos balanços negativos dos Correios tem levado autoridades e executivos da organização a formularem abordagens com as quais não concordamos, para explicar a "crise" por que passa a Empresa. Nesta postagem, trataremos de algumas dessas abordagens e apresentaremos nossa opinião a respeito.

- Monopólio e seus efeitos - A primeira afirmação falaciosa, largamente utilizada em discursos, menciona que os serviços monopolizados vêm tendo queda acentuada. Bastaria, porém, que se observasse um simples gráfico correlacionando as receitas de serviços monopolizados com o PIB nos últimos anos para ver que essa "acentuada queda" ainda não aconteceu no Brasil. Ao trazer o tema da forma como tem ocorrido, de forma inconsequente, essas pessoas passam para o mercado uma falsa impressão de acentuada queda de negócios, levando clientes a se preocuparem desnecessariamente. Exemplo disso foi a recente decisão do MEC de anunciar que buscava uma alternativa "B" para sua operação com o ENEM "devido aos problemas enfrentados pelos Correios", algo bem inusitado já que o MEC e os Correios desenvolvem com sucesso há anos a maior operação logística do mundo, que é a distribuição de livros didáticos no país. Mas quando lideranças da Empresa propagam notícias negativas e apregoam que a organização vai muito mal, os clientes acabam acreditando nisso e a profecia pode, aos poucos, se auto-realizar.

- Prejuízos contábeis - Os prejuízos contábeis são atribuídos a vários fatores, sendo o preferido deles o custo do plano de saúde. Ao fazer isso, não se menciona que os benefícios do plano de saúde são os mesmos na Empresa há vários anos; o que mudou foi apenas a criação de uma entidade para gerir esse plano, com a promessa de reduzir custos, o que nunca se confirmou. Não se menciona que desde o início e até o momento presente, cargos foram ali distribuídos entre apadrinhados políticos dos diversos partidos que passaram pela direção da Empresa, como PT, PDT e PSD, não só onerando desnecessariamente a folha de pagamento, mas também desprofissionalizando a operação. A pergunta óbvia é por que essa entidade ainda existe? Ou ainda por que continuam colocando apadrinhados políticos em vez de profissionalizar a gestão da empresa, de cima em baixo?
Ao focar o custo do plano de saúde da Empresa, como irresponsavelmente vêm fazendo, os dirigentes deixam de abordar as causas mais determinantes desses prejuízos ou então as relegam a segundo plano, induzindo os menos avisados a erro de avaliação.
Ao tratar de prejuízos, seria fundamental que se mencionasse, inicialmente, que as mudanças contábeis impostas pela alteração de legislação relacionada ao pós-emprego trouxeram um impacto significativo para muitas empresas com grandes quadros de trabalhadores, o qual, no caso dos Correios, supera, em mais de 50%, o maior lucro já registrado na história da organização. É isso mesmo! O impacto dos provisionamentos e contabilizações do pós-emprego nos Correios supera anualmente a cifra de R$ 1,5 bilhão, quando o maior lucro já registrado esteve na ordem de R$ 1 bilhão.
Sozinha, portanto, essa mudança contábil já explicaria a inversão de resultados dos Correios, de positivo para negativo. Sem entrar no mérito da necessidade ou da importância desse ajuste contábil para dar mais assertividade às demonstrações, é, porém, absolutamente necessário que seja percebida como a maior causa da inflexão havida nos resultados dos Correios, a partir de 2014. 
Mas há outras causas relevantes a considerar após essa.
A descapitalização decorrente de retiradas excessivas de dividendos é outra causa relevante, porque impactou sensivelmente os resultados de aplicações financeiras que a organização vinha auferindo, os quais complementavam os resultados gerais. Perto de R$ 4 bilhões aplicados no mercado financeiro atenuariam bastante a situação atual. E foi isso que o Governo Federal retirou dos Correios além dos 25% mínimos previstos em lei - entre 2000 e 2012, foram recolhidos da Empresa R$ 8,8 bilhões de dividendos, em valores atualizados.
O represamento tarifário por dois anos, desnecessariamente promovido nos Correios por decisão do Ministério da Fazenda, completa o quadro. Reduziu em cerca de R$ 800 milhões as receitas da Empresa.
Somadas essas três causas, se chega a boa parte do déficit hoje registrado nos Correios.
Uma abordagem realista e honesta da situação deveria, portanto, passar primeiramente por essas causas, explicando as razões e os impactos de cada uma delas no resultado final. E passaria também por esclarecer porque tais causas não são enfrentadas diretamente, ou seja, por que o Governo Federal não pode capitalizar em nada os Correios, restituindo à organização pelo menos parte do que levou além do previsto em lei? Haveria, por acaso, uma intenção pré-definida do Governo Federal de abrir capital ou privatizar a Empresa escondida por trás do discurso de "tudo vai mal"?  

Solução - Dizem, popularmente, que uma nova direção que não sabe o que fazer contrata uma consultoria e reestrutura a empresa, pois dá assim a impressão de estar trabalhando. Não concordo integralmente com este dito, mas penso que os desafios da Empresa vão muito além de fazer isso. E o primeiro e grande desafio é mesmo buscar o equilíbrio econômico-financeiro, sem artifícios e  reconhecendo claramente as causas que nos levaram a esse desequilíbrio. Ou seja, não há que se falar em queda acentuada de negócios de monopólio, porque isso não aconteceu, nem em passar a ideia de que a situação foi criada por inviabilidade do plano de saúde existente, porque isso também não é verdade, e menos ainda que a solução terá que vir pela demissão de trabalhadores ou pelo fechamento em larga escala de agências, porque não precisa ser assim. Também não há que se falar em privatização, porque a sociedade não demanda isso, mas sim um serviço postal de qualidade, com preços acessíveis.
A solução passa simplesmente pela profissionalização da gestão, por ter no comando da organização e nos postos de chefia em todos os níveis pessoas com o perfil, as qualificações e o desempenho adequados, algo já previsto até em lei e que começa a ser adotado em outras empresas, como a Petrobras e a Embrapa.
Uma gestão competente saberia valorizar os inúmeros atributos positivos da organização e não lançaria dúvidas sobre eles. Saberia aproveitar integralmente os trabalhadores concursados, enfrentaria os desafios com eles e jamais cogitaria demiti-los "para aliviar o caixa". Trataria a rede de agências como um ativo importante, a ser permanentemente aperfeiçoado e rentabilizado, e não como algo a ser simplesmente desmontado, sob a alegação de que o serviço postal é desnecessário naquela região ou ainda que uma operação terceirizada é melhor. Adotaria medidas efetivas para buscar a alavancagem dos negócios, o aumento de receitas e o resgate da qualidade operacional. Tomaria decisões com visão técnica de médio e longo prazos, sem atropelos, sem interferências de razões políticas, mas também sem descuidar das situações mais emergentes. E, com o engajamento da força de trabalho, recolocaria rapidamente a Empresa no patamar de excelência de serviços em que já esteve, sem sobressaltos. 
É simples!

Um comentário:

  1. Parabéns Marcos César pela abordagem realista, lúcida, que se contrapõe a uma visão alarmista e extremamente prejudicial ao posicionamento da ECT no mercado.

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