O anúncio de que deverá haver greve amanhã (12/03) é algo que não me agrada de forma alguma, assim como creio que não agrade a nenhum ecetista. Concluir nosso trabalho, entregando as cartas e encomendas a nossos clientes está no nosso DNA, na nossa história, na nossa experiência de vida. Interromper isso, mesmo que temporariamente, não é uma boa experiência para um trabalhador dos Correios.
A medida extrema buscada pelos sindicatos e federações tem, porém, sua motivação, que merece ser entendida, sob pena de os trabalhadores serem responsabilizados por um contexto para o qual não contribuíram.
Há anos, o plano de saúde dos trabalhadores dos Correios tem as mesmas características de hoje. O que mudou mais recentemente (2013), por iniciativa da direção da Empresa, foi a criação da Postal Saúde, uma caixa de assistência que veio para substituir o sistema de gestão direta do plano até então utilizado.
Importante lembrar que, ao longo dos anos, por proposta da Empresa, os trabalhadores aceitaram menores reajustes salariais em troca de melhorias nos benefícios que recebiam. Isso ocorreu nos acordos coletivos e dentro do que permitia a lei.
Também relevante mencionar que o salário médio dos trabalhadores dos Correios é o menor dentre as estatais.
A partir de 2016, com o agravamento da situação econômica da Empresa, decorrente de fatores completamente fora do controle dos trabalhadores, a Diretoria dos Correios começou a defender e a adotar medidas que tentavam reduzir as despesas, algumas das quais têm se mostrado desastrosas. Os fatores a que me refiro foram:
a) o recolhimento excessivo de dividendos pelo Governo Federal, ocorrido especialmente entre 2010 e 2014; dependendo do período que se considera, pode-se dizer que, a valores atualizados, o Governo Federal levou dos Correios, além do mínimo previsto em lei, mais R$ 6 bilhões de reais em dividendos;
b) o congelamento de tarifas postais entre 2012 e 2014, por decisão arbitrária do Ministério da Fazenda; e, por fim
c) a abrupta adoção da norma contábil CPC-33, sem nenhuma ação prévia de formação de reservas nas estatais, o que comprometeu severamente o balanço dos Correios e praticamente eliminou seus lucros nos exercícios seguintes.
No contexto de aperto financeiro, a Diretoria escolheu o plano de saúde para ser vilanizado, tentando talvez, com isso, concentrar nesse único fator a responsabilidade por um quadro produzido, na verdade, por uma soma de desastradas medidas do Governo Federal e de uma direção fraca e incapaz de desenvolver os negócios da Empresa. Nesse caminho, o plano de saúde dos trabalhadores e não o Governo Federal e nem a Diretoria seriam, então, os responsáveis pela situação da Empresa.
Por que não escolheram outras despesas para vilanizar, como, por exemplo, as comissões pagas a franqueados, que só crescem, ou os gastos com publicidade e propaganda, ou os patrocínios, que chegam a esportes de elite, incompreensíveis para os ecetistas e para a maioria dos brasileiros, e, portanto, descolados da própria realidade da Empresa e de seus negócios, como rugby e squash, ou os gastos com consultorias e outros, inexplicáveis num momento em que faltam carteiros e equipamentos operacionais básicos devido à ausência de concurso público e ao forte contingenciamento orçamentário?
Nem mesmo o excepcional desempenho que o plano de saúde dos Correios vem tendo, com uma das menores despesas assistenciais e administrativas per capita dentre as grandes operadoras de autogestão em saúde (GEAP, CASSI etc.) demoveu a direção de seu intento, para alegria dos operadores privados de saúde, que devem aguardar com muita expectativa o desfecho dessa disputa no TST, afinal 400.000 vidas constituem um bom ativo em qualquer lugar do mundo.
Acredito que os colegas que estarão em greve nesta segunda o façam apenas porque não enxergam outra foma de protestar contra este estado de coisas que se instalou na Empresa, pois, na verdade, todos gostariam mesmo é de poder fazer seu trabalho com regularidade. Quem passa todo dia por uma mesma rua e atende os mesmos moradores sabe de sua responsabilidade com eles, da mesma forma que o atendente que vê com frequência os clientes do bairro em seu balcão. Para esses colegas, não há como se esconder dos clientes que lhes cobrarão pelo atraso de suas correspondências, pela falta de suas encomendas ou pela agência fechada.
O ideal seria que a direção cuidasse bem do que é básico na indústria postal, oferecendo aos trabalhadores condições adequadas para o desempenho de suas atividades. Carga postal não pode ficar parada, por exemplo, por falta de contêineres, de caminhões ou de pessoas para tratá-la. Qualquer trabalhador dos Correios sabe disso, pois a Empresa não está preparada para servir como armazém de cartas e encomendas. Os objetos precisam seguir seu fluxo e ser entregues aos destinatários, como sempre acontecia, permanecendo o mínimo de tempo possível nas dependências da Empresa. Os trabalhadores sabem disso, mas não têm como atuar sobre essas questões que dependem de decisões que não lhes cabem, mas sim à Diretoria.
Se há uma palavra que expresse meu sentimento hoje, diria que é frustração. Frustração por ver que, mais uma vez, a imagem da Empresa será arranhada. Frustração por ver que meus colegas tiveram que recorrer a essa medida extrema para tentar, novamente, alertar que a Empresa está mal conduzida. Frustração por não ter sido ainda mais incisivo nos inúmeros alertas que tenho feito no Conselho de Administração sobre esse estado de coisas que ocorre em nosso ambiente corporativo e sobre a necessidade de isso mudar.
Como meus colegas, gostaria mesmo é de poder, com eles, entregar logo toda a carga que se encontra parada na Empresa à espera de medidas de gestão que demoram ou nunca chegam. E de poder contribuir com meu trabalho para o sucesso de uma Empresa que, para a imensa maioria dos ecetistas, é muito mais que um trabalho, é uma vida.
Que a greve seja breve! E que a sociedade e o Governo Federal percebam que os Correios são uma grande empresa, que merece ser bem cuidada e bem administrada, para desempenhar o relevante papel que motivou sua criação e voltar a orgulhar os brasileiros. Sem apequenamentos.