Moisés Selva Santiago
Jornalista
Imagine essas cenas. Você encontra uma mosca na sopa servida num restaurante: a solução é fechar o local e demitir todo mundo? Você percebe um defeito no seu carro: a solução é a montadora concorrente assumir a produção daquele veículo? Você descobre que a roupa que acabou de comprar na famosa loja tem um defeito: a solução é adquirir roupas importadas, porque lá fora não existe erro?
Se suas respostas foram negativas, então continue lendo. Vi minha casa sendo roubada por bandidos que colocaram armas em mim e na cabeça de minha família: a solução é acabar com a Polícia Militar? Vamos extinguir o Corpo de Bombeiros porque o Museu incendiou-se? Vamos substituir companhias aéreas pelas que nunca tiveram problemas em seus aviões (se é que existem)?
Se você continua respondendo não, então por que esse discurso de acabar com as estatais que fazem a história desse país diariamente, fornecendo combustível, comunicação, pesquisa e tecnologia – entre outros bens e serviços – que são responsáveis pela economia e pelo bem-estar dos milhões de brasileiros há décadas?
A resposta é que em situação de crise econômica alguns preferem a velha mania de escolher um suposto vilão que pague o pato. Todos nós sabemos que o dinheiro gasto na construção de cada hospital, escola, posto de saúde, viaduto, praça; na compra de ambulância, de merenda escolar e até de papel para impressora é superfaturado e, com o mesmo valor, dava para construir e comprar umas cinco vezes mais. E quem é que está por trás dessa roubalheira? Com certeza não são os milhares de servidores e empregados públicos legalmente concursados que todos os dias fazem o Brasil funcionar.
A essa altura você já começa a enxergar onde estão os verdadeiros vilões. A Lava Jato todos os dias mostra quem são eles. Olhe as listas divulgadas pela Polícia Federal com atenção e você não encontrará motivos para fechar as estatais ou, numa linguagem bonita, num lindo eufemismo, “privatizá-las”. Ou seja, os vilões são os mandachuva da política partidária e das grandes empresas privadas – privadas, repito – que se deixaram corroer pelo câncer da corrupção. Se é preciso diminuir o Estado para minimizar gastos, o meio mais eficaz e que não causa a catástrofe social do desemprego é o combate contínuo da corrupção de quem quer que seja.
No restaurante, diante da mosca na sopa, é claro que todo gerente faria tudo para providenciar outro prato digno de ser digerido. O mesmo acontece com qualquer setor do comércio, da indústria e da prestação de serviços: a ideia é fazer o melhor para o cliente, garantindo o lucro e o emprego direto e indireto de milhões de brasileiras e brasileiros, todo dia. O mesmo pode ser dito para as forças armadas e para as polícias. Longe de qualquer ideia esdrúxula, elas precisam, isso sim, aumentar o contingente de soldados e policiais, melhores equipamentos, maiores salários e maior respeito pela farda que usam – como acontece em outros países que dignificam o servidor público.
Colocar a culpa no Cabral, na corte de Dom João VI, no pós-64, no partido A ou B, ou nas estatais é desviar comodamente o alvo de como melhorar o Brasil diariamente e não somente em época de eleições. E se você leu até aqui, talvez concorde comigo: é a mosca da sopa que estraga tudo. Ela se chama corrupção, e não estatais.
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