sexta-feira, 9 de maio de 2014

Tarifas – da autossuficiência ao prejuízo

Desde que entrei nos Correios, há muitos anos atrás, sempre tratamos um tema com grande prioridade, pelo impacto que ele trazia para a Empresa e para seus resultados. Trata-se da atualização das tarifas postais.
Acompanhei este tema desde quando os cálculos eram feitos em máquinas manuais, muito antes de surgirem as planilhas eletrônicas e de alguém sonhar com a internet. Naquela época, alguns colegas varavam a noite para montar as tabelas e todos se engajavam na missão de tê-las implementadas o quanto antes.
A razão para essa priorização era bem simples: os poucos centavos de atualização do preço de um selo postal multiplicado pelos vários milhões de remessas diárias resultavam sempre num valor bem significativo para a Empresa. Não se podia perder um dia.
Nos dias de hoje, alguns desses colegas continuam na Empresa e imagino que, como eu, bastante incomodados com o fato de que estamos há dois anos sem atualização das tarifas postais.
Em dois anos, tivemos pelo menos dois ciclos de reajuste de contratos com nossos milhares de fornecedores (aluguel, locação de veículos, vigilância, limpeza etc.) e nenhum deles concordaria em “congelar” seus preços por esse período, pela simples razão de que seus custos também evoluíram. 
Mas o Governo Federal parece não querer compreender isso e tenta segurar “na marra” a inflação, impedindo estatais como a ECT de reajustarem seus preços. Não sei aonde isso vai dar para outras estatais, embora acompanhe seu calvário pelas notícias da imprensa, mas sei bem aonde vai dar no caso da ECT, e isso me preocupa muito.
Os Correios são uma grande empresa, mas que tem vulnerabilidades que o acionista deveria conhecer e sempre considerar, em minha opinião. Uma dessas vulnerabilidades está exatamente nas tarifas postais, já que os negócios da área de reserva (correspondência, malote etc.) correspondem a mais de 50% da receita operacional da Empresa.  Além disso, diferentemente do que ocorre em outros setores como o financeiro, no setor postal se trabalha com margens apertadas e as flutuações de mercado em geral causam prejuízos e não lucros para os Correios.
Ao não autorizar as atualizações tarifárias, o Governo Federal condena os Correios a voltarem a depender do Tesouro Nacional novamente, como não ocorria há dezenas de anos. De autossuficiente, os Correios estão sendo condenados, por seu próprio acionista e não pelo mercado, à dependência, o que não me parece fazer sentido sob nenhuma ótica econômica, política ou de outra ordem.
Os colegas que me abordam sobre este tema me fazem indagações embaraçosas, como, por exemplo, se o Governo Federal pretende “quebrar” os Correios para, depois, privatizá-lo com preço bem em conta. Aparentemente absurdas numa primeira leitura, indagações como esta vão se tornando cada vez mais comuns à medida que passa o tempo e os Correios vão mergulhando em resultados negativos, algo que não fazia parte de nosso cotidiano até este momento e que nos assombra agora.
Não sei como outras estatais sobreviverão mais à frente sem a recomposição de seus preços, mas sei que será muito difícil para os Correios disputarem verbas com Saúde, Educação e Segurança Pública, por exemplo, áreas em que as carências e a prioridade são indiscutíveis.  E sem recursos, será muito fácil retornar a um passado de 45 anos atrás, quando um sombrio departamento de correios e telégrafos entregava à sociedade brasileira um serviço ruim, a ponto de ser comum as pessoas, para se desculparem de um esquecimento, dizerem “Ah! Você não recebeu o telegrama que lhe enviei?”
Dessa época em particular, não temos nenhuma saudade!

2 comentários:

  1. Excelente análise, eu tenho dito isso internamente e em conversas com os colegas da área financeira, mas acredito que o fórum correto é aí no Conselho de Administração. Parabéns..

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  2. Há mais um ingrediente para apimentar este caldo. As reservas financeiras dos bons tempos estão sendo consumidas na época com o nome de dividendos e agora no prejuízo com o nome de juros sobre capital próprio....

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