Por Ana Novaes, CFA Society Brazil
O momento não poderia ser mais propício para uma reflexão sobre a governança corporativa das companhias estatais no Brasil, especialmente das sociedades de economia mista que contam com acionistas minoritários e são listadas na Bolsa de Valores. Neste sentido, a Carta Diretriz nº 5 do IBGC sobre as sociedades de economia mista é bastante oportuna. A Carta indica os caminhos que o Estados e as companhias estatais podem tomar para melhorar a sua governança e o seu desempenho econômico.
A interferência dos governos transitoriamente no poder sobre as companhias estatais é frequente e bem documentada no Brasil. Geralmente esta influência é percebida pelos investidores como sendo nefasta à companhia do ponto de vista econômico, afetando negativamente seus acionistas (inclusive o próprio Estado). Companhias estatais carregam o chamado “desconto por ser estatal”, negociando em Bolsa quase sempre com um desconto em relação às suas congêneres privadas. Afinal, mesmo que um governo coloque uma administração profissional e se afaste do dia a dia, há sempre o risco de que o seu sucessor aja de outra forma.
Para diminuir ou mesmo eliminar este desconto, o que reduziria o custo de capital para a companhia estatal e, portanto, para o seu acionista controlador – no caso, o Estado -, a melhoria na governança dessas companhias se impõe.
Nunca é demais lembrar que os problemas de governança corporativa das estatais que vieram à tona recentemente no Brasil são decorrência muito mais dos processos e regras internas que regem as relações das empresas estatais com seus administradores, reguladores e o governo do que consequência de fatores exógenos às estatais, tais como as dificuldades setoriais ou macroeconômicas.
A Carta diretriz do IBGC também contribui para o debate em torno do projeto de lei, ora em análise no Congresso Nacional, que pretende introduzir uma nova lei especifica para as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
É crucial que a nova legislação exija maior transparência do Estado Controlador. O Estado deve deixar claro qual o interesse público que justificou a criação daquela companhia. Não se pode colocar qualquer interesse acima do interesse da própria companhia em prosperar.
A maior contribuição que a introdução de uma nova legislação pode trazer é dar norte à forma como o Estado atua como controlador. Este ponto é muito mais importante do que criar regras específicas para as companhias estatais, diferentes da legislação aplicável às companhias privadas. A Lei das Sociedades por Ações, reconhecida por todos como uma Lei de qualidade e de reconhecida efetividade, já rege as companhias estatais e não deve ser alterada para atender a supostas necessidades das estatais.
O que é importante é que a nova legislação proposta pelo Congresso elimine as interferências nefastas do governante do momento. São exemplos da interferência de governos, frequentemente contra o interesse do próprio Estado controlador: (i) mandatos contraditórios (p.ex. controlar tarifas e preços e, ao mesmo tempo, forçar as empresas estatais a investirem em projetos sem o devido retorno econômico, afetando negativamente a geração de caixa dessa companhias), (ii) divergências sobre a quem a diretoria responde (ao ministério ao qual está vinculado ou ainda ao conselho da companhia?), (iii) diretorias e conselhos de administração politizados combinado com a falta de autonomia no dia a dia da administração, e o mais importante, (iv) a indiferença do governo e da administração em relação à performance da estatal ao privilegiar outros interesses que não os da empresa.
É crucial que o projeto de lei enderece esses pontos. Afinal, quando estas divergências estão presentes, as estatais são fontes de corrupção e de desperdício de recursos.
Para que os recentes eventos de corrupção em companhias estatais não se repitam, pelo menos dois pontos devem ser endereçados: (i) o recrutamento da administração; e (ii) a transparência das atividades das companhias estatais quando estas atuam para atingir o interesse público que justificou a sua criação, mas sem o retorno adequado. Tal como enfatizado pela Carta Diretriz do IBGC, o Estado, como proprietário, deve deixar claro os objetivos da companhia e assegurar que o conselho de administração tenha a autonomia e a independência necessárias para atingir estes objetivos. Esta prática visa a blindar as estatais de interferências indevidas do governo e de outros interesses passageiros em detrimento da empresa e do próprio interesse público.
Em relação ao primeiro ponto, para que o conselho de administração de uma estatal possa ser efetivo, é necessário a existência de um processo bem estruturado, transparente e previsível para a nomeação dos conselheiros. Isto permitirá isolar o conselho e a companhia de eventuais pressões políticas. Outros países desenvolveram metodologias transparentes e efetivas para a seleção dos administradores de companhias estatais. Vários desses mecanismos, como banco de candidatos, o uso de headhunter e a existência de um banco de perfis prévio, são ideias que podem ser adotadas no Brasil sem maiores custos e com claros ganhos para as estatais e para a sociedade brasileira.
No que diz respeito ao segundo ponto, não é apenas no Brasil que empresas estatais estão sujeitas a cumprir com outros interesses públicos que não apenas a lucratividade. É importante que estes objetivos estejam claros, bem como seu atingimento, custo e remuneração sejam reportados para o público. A transparência aqui é fundamental.
Companhias como o Banco do Brasil e a Eletrobrás têm em suas leis criadoras e em seus estatutos funções que não necessariamente são compatíveis com a maximização do lucro. A transparência sobre estas obrigações, o seu custo, e a eventual remuneração por essas atividades devem estar claros para o público. O conselho de administração dessas companhias deve acompanhar o atingimento destes objetivos e reportá-los para os acionistas e o público em geral.
O Brasil sairá ganhando com a maior transparência das empresas estatais, tenham elas acionistas minoritários ou não.
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