segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Pós-emprego no relatório da CGU

Nas últimas semanas, pudemos ler diversas matérias trazidas pela imprensa sobre os Correios, em função da publicação do relatório nº 201700921 da CGU intitulado "Avaliação da Situação Econômico-Financeira- Correios - Exercícios de 2011 a 2016".

Alguns pontos do relatório mereceram destaque, como a redução da rentabilidade da Empresa e de seu patrimônio líquido, mas a principal causa desses efeitos todos, apesar de citada inúmeras vezes no relatório da CGU, não mereceu o aprofundamento adequado para que se compreenda o que ocorreu com os Correios.

Trata-se da mudança contábil introduzida com a norma NBC TG 33 (R2) que recepcionou o pronunciamento técnico CPC 33 R1, cuja essência é o provisionamento dos recursos necessários para a cobertura das despesas com o pós-emprego dos trabalhadores.

A mudança da sistemática de pagamento à medida que a despesa se apresenta (pay-as-you-go) para o pré-pagamento ou provisionamento (pre-funding) tem sido responsável mundo afora pela derrocada de inúmeras grandes organizações que até então ostentavam balanços equilibrados. Isso ocorreu, por exemplo, com o Correio Americano (USPS), que, em 2006, teve que implantar essa mudança e até hoje não conseguiu se equilibrar mais.      

Embora seja uma medida conceitualmente aceita e muito defendida no mundo contábil, o provisionamento do pós-emprego exige uma preparação das organizações para ser implantado, o que nem sempre é observado. Nos Correios, por exemplo, em vez de se ter buscado a constituição de um fundo para garantir o pós-emprego antes da implementação do novo procedimento, o que o acionista fez foi exatamente o contrário - limpou o caixa, com o recolhimento excessivo de dividendos, deixando a Empresa sem recursos para seus investimentos e muito menos para a constituição de um fundo com esta finalidade. O resultado disso vem espelhado nos balanços dos Correios desde 2013, conforme retrata o relatório produzido pela CGU.

O mais grave disso tudo é que a maioria das análises econômico-financeiras que são feitas a partir de uma mudança como essa acabam não dando a esse fato a importância capital que teve no contexto. E não é raro observar análises rasas que buscam atribuir a responsabilidade pelo quadro econômico-financeiro à ineficácia de gestões anteriores, sem ter em conta que, naquele contexto de então, as métricas utilizadas apontavam para uma organização saudável, com resultados equilibrados e consistentes, conforme constou nos balanços e relatórios de gestão e de administração.

Para 2017, o relatório da CGU aponta a perspectiva de os Correios apresentarem "passivo a descoberto", o que é realmente gravíssimo, embora possa ser explicado, em grande parte, pelos efeitos que a mudança de prática contábil introduzida trouxe.

Assim, podemos repetir no Brasil o que já ocorreu em outros países com a implantação do provisionamento do pós-emprego e passar a ter estatais adoecidas e com remotas chances de cura, devido à gravidade da moléstia contábil contraída. Os Correios seguirão a trilha do Correio Americano (USPS), nesse caso.

Ou podemos evitar isso, enfrentando a causa do problema, dotando, por exemplo, os Correios de um fundo que assegure o pós-emprego, o que permitiria que a Empresa voltasse imediatamente ao equilíbrio.

O tema é complexo, mas a solução pode ser simples.

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