Nas últimas semanas, pudemos ler diversas matérias trazidas pela imprensa sobre os Correios, em função da publicação do relatório nº 201700921 da CGU intitulado "Avaliação da Situação Econômico-Financeira- Correios - Exercícios de 2011 a 2016".
Alguns pontos do relatório mereceram destaque, como a redução da rentabilidade da Empresa e de seu patrimônio líquido, mas a principal causa desses efeitos todos, apesar de citada inúmeras vezes no relatório da CGU, não mereceu o aprofundamento adequado para que se compreenda o que ocorreu com os Correios.
Trata-se da mudança contábil introduzida com a norma NBC TG 33 (R2) que recepcionou o pronunciamento técnico CPC 33 R1, cuja essência é o provisionamento dos recursos necessários para a cobertura das despesas com o pós-emprego dos trabalhadores.
A mudança da sistemática de pagamento à medida que a despesa se apresenta (pay-as-you-go) para o pré-pagamento ou provisionamento (pre-funding) tem sido responsável mundo afora pela derrocada de inúmeras grandes organizações que até então ostentavam balanços equilibrados. Isso ocorreu, por exemplo, com o Correio Americano (USPS), que, em 2006, teve que implantar essa mudança e até hoje não conseguiu se equilibrar mais.
Embora seja uma medida conceitualmente aceita e muito defendida no mundo contábil, o provisionamento do pós-emprego exige uma preparação das organizações para ser implantado, o que nem sempre é observado. Nos Correios, por exemplo, em vez de se ter buscado a constituição de um fundo para garantir o pós-emprego antes da implementação do novo procedimento, o que o acionista fez foi exatamente o contrário - limpou o caixa, com o recolhimento excessivo de dividendos, deixando a Empresa sem recursos para seus investimentos e muito menos para a constituição de um fundo com esta finalidade. O resultado disso vem espelhado nos balanços dos Correios desde 2013, conforme retrata o relatório produzido pela CGU.
O mais grave disso tudo é que a maioria das análises econômico-financeiras que são feitas a partir de uma mudança como essa acabam não dando a esse fato a importância capital que teve no contexto. E não é raro observar análises rasas que buscam atribuir a responsabilidade pelo quadro econômico-financeiro à ineficácia de gestões anteriores, sem ter em conta que, naquele contexto de então, as métricas utilizadas apontavam para uma organização saudável, com resultados equilibrados e consistentes, conforme constou nos balanços e relatórios de gestão e de administração.
Para 2017, o relatório da CGU aponta a perspectiva de os Correios apresentarem "passivo a descoberto", o que é realmente gravíssimo, embora possa ser explicado, em grande parte, pelos efeitos que a mudança de prática contábil introduzida trouxe.
Assim, podemos repetir no Brasil o que já ocorreu em outros países com a implantação do provisionamento do pós-emprego e passar a ter estatais adoecidas e com remotas chances de cura, devido à gravidade da moléstia contábil contraída. Os Correios seguirão a trilha do Correio Americano (USPS), nesse caso.
Ou podemos evitar isso, enfrentando a causa do problema, dotando, por exemplo, os Correios de um fundo que assegure o pós-emprego, o que permitiria que a Empresa voltasse imediatamente ao equilíbrio.
O tema é complexo, mas a solução pode ser simples.
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